Simone Maraschino


Andando por Belém, encontrei o Carlos, antigo amigo que nunca mais vira. Os cumprimentos de praxe, alguma conversa que por anos não concluímos, uma tarde já de tarefas cumpridas e me vi nessa mesa de bar;  com uma dose de conhaque já servida diante de mim. Carlos diz: E a Simone, tem visto?

Não, eu não a vira mais desde aquela noite, respondi por telepatia, enquanto mexia com o dedo a rodela de limão no fundo do copo. Papo antigo tem disso, tanta coisa se passa mas fica pendente para os outros.

– Não, e voce?

Ele a vira de relance numa esquina da vida, de um bairro mal frequentado – Era tarde (ou cedo) – ele diz, rindo – ela me olhou e não sei se me reconheceu, eu estava meio ruço…rss

Carlos está certo, pensei, teve tempo em que tudo era meio ruço.

– Voce tem uma arma? Foi a primeira coisa que Simone falou quando sentou ao meu lado no carro. Não, e nem gostaria de ter, falei, azedo. Adoro armas! e trançou as pernas como quem precisa há muito mijar. Simone era uma bela garota, quase definitivamente mulher. Cabelos avermelhados até os ombros, maquiagem um pouco carregada, e aqueles olhos amarelos esverdeados onde eu poderia facilmente me perder. Ela percebeu meu gesto brusco, meu ponto fraco: Que foi? e me riu engraçado…

Nada.

– Leila Lopes morreu, né, Primo? Que desperdício! hahahahahaha – Carlos já estava ficando bêbado, e só com duas taças de vinho. Se ainda o conhecia, agora iria pedir a saideira, e depois outra e mais outra; até eu ter que carrega-lo para o carro e dirigir até a porta de sua casa.

– Nada não! voce me olhou esquisito! –  Simone falava pra mim e ria agora com todos os dentes. Perfeitos, aliás. Pra onde voce vai me levar? Agora eram os dentes e o olhar cínico para mim.

Eu não havia pensado em destino. A idéia inicial era deixá-la noutro barzinho, balada, sei lá! E aquela história de arma me soou estranho; queria que ela descesse em qualquer lugar, antes que a sua noite ruiva me fizesse parar nalgum drive-in.

Vamos pro meu apartamento; eu disse, em tom de pergunta retórica…

Manhã seguinte acordei. Manhã é força de hábito pois nem sei que horas eram. olhos vidrados, músculos doloridos de um triatlon que eu ainda não lembrava de ter participado, e aquele vermelho vivo espalhado pelos lençóis. Simone tinha ido para sempre, mas deixara o doce gosto de sua passagem.

E.J.

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6 comentários em “Simone Maraschino

  1. As noites são tão breves, quanto à própria eternidade dessas noites…
    A eternidade dessa vida…
    Elas sempre se repetem, com novas Simones…estranhas “Marias”…
    Beijos….

  2. Hoje eu ia comentar o texto do “açaí” e me vejo falando também da “Simone”. E, Eudyr, aqui vê-se melhor porque lá, no Yahoo Respostas, sua argumentação vem fácil e sem necessidade de trato. Gostaria de ganhar algum livro teu, quando resolvesse escrever um.
    YSS

    • Amigo Yss fico honrado com suas palavras, sempre tão generosas. Certamente voce terá esse livro, se um dia eu conseguir a façanha de reunir textos à altura de leitores e escritores como voce. Muito obrigado.

  3. Hoje eu ia comentar o texto do “açaí” e me vejo falando também da “Simone”. E, Eudyr, aqui vê-se melhor porque lá, no Yahoo Respostas, sua argumentação vem fácil e sem necessidade de trato. Gostaria de ganhar algum livro teu, quando resolvesse escrever um.
    Y Sem Soma

  4. Que história…massa!!
    Quantas Simones existem nas madrugadas inúteis das nossas vidas, nos provando que, elas até que podem ser bem utilizadas.
    Basta uma Simone certa..
    Uma dose á mais…
    Um apartamento para ir…
    Amei!!
    Beijos Eudyr!

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